A Praça das Artes, em São Paulo, foi palco de um evento histórico neste domingo (30). Pela primeira vez no Brasil, imigrantes puderam tomar parte em uma votação, elegendo representantes para as Cadeiras Especiais nos Conselhos Participativos Municipais de 19 das 32 Subprefeituras da capital. Ao todo, foram 1710 votantes e 1694 votos válidos – os outros 16 votos restantes foram brancos (4) ou nulos (12).
O apelo pela participação na votação foi feito por diversas entidades e migrantes (candidatos ou não) nas últimas semanas. O tempo para organização do pleito e mobilização de candidatos e eleitores foi bem curto – foram menos de três meses entre o edital do processo no Diário Oficial e a votação propriamente dita. Mas a presença expressiva dos imigrantes no local de votação foi uma mostra de que as comunidades atenderam ao chamado. Em diversos momentos do dia foi possível ver filas de pessoas de diferentes nacionalidades se formando para escolher quem seria o representante dos imigrantes nas subprefeituras que terão a cadeira especial.
“Na luta pelo direito ao voto do migrante no campo nacional, há sempre uma dúvida se o migrante tem interesse em participar das decisões da cidade onde estão morando. Acho que aqui hoje ficou muito claro que de fato os imigrantes estão interessados e querem participar do processo de construção da cidade e do país”, analisa Paulo Illes, coordenador de políticas para imigrantes da Prefeitura.
Com a palavra, os candidatos
Sejam como potenciais representantes ou apenas votantes, os imigrantes presentes na eleição de hoje celebraram a possibilidade de participar mais da cidade na qual vivem. “Essa eleição representa uma grande oportunidade para os migrantes de entrar e participar da vida pública da cidade, e isso é muito importante para nós, migrantes”, explica o italiano Leonardo Zocca, candidato que acabou eleito conselheiro pela região da Casa Verde”.
“Os imigrantes são importantes para a construção da cidade, do Estado e do país, e precisamos trazê-los para colaborar”, diz o ex-deputado William Woo (PV-SP), também presente na eleição, lembrando a formação pluricultural do Brasil e de São Paulo.
A característica plural de São Paulo foi lembrada ainda por Cheung Ka Wai, de origem chinesa e um dos candidatos eleitos na região Sé. “É uma ótima oportunidade para os estrangeiros participarem mais, exercerem a cidadania e mostrarem a sua força. São Paulo é uma cidade com uma pluralidade que precisa ser representada”.
Importância da divulgação e mobilização
O boliviano William Flores Flores, morador do bairro da Penha, ficou sabendo da eleição por meio da internet, de rádios comunitárias e outras mobilizações feitas na região. “Para nós imigrantes é bom ter um representante em nosso bairro, Todo estrangeiro necessita de um representante e por isso estou aqui para dar meu voto”, diz.
Camila Baraldi, coordenadora-adjunta de políticas para imigrantes da Prefeitura, também dá peso especial à mobilização feita pelos imigrantes sobre o pleito. “É interessante perceber a organização das comunidades, a valorização dessa participação. Esse exercício é muito importante para que essa participação seja plena – econômica, social, cultural e também política”.
Um primeiro passo
A eleição marcou ainda mais uma etapa de mobilização da campanha Aqui Vivo, Aqui Voto, que promoveu um ato ao final da votação para reivindicar o direito a voto para os imigrantes no Brasil. Na tenda armada próxima à Praça das Artes, era possível tanto obter material de apoio e divulgação sobre os imigrantes na capital e seus direitos, bem como deixar sua assinatura em apoio à questão do voto para o imigrante.
Vários dos estrangeiros presentes destacaram o avanço representado pela eleição de hoje, mas deixam claro que esperam por mais no futuro. “A eleição é um paliativo ao que pedimos tempos atrás e sempre. Gostaria que os estrangeiros no Brasil, cumprindo certos requisitos, tenham direito a voto. Estamos apoiando, mas temos de entender que este é apenas um primeiro passo”, diz o chileno Rúben Pezo Padilla, que vive há 38 anos na capital paulista.
A também chilena Bernardita Quesada, moradora do Ipiranga e há quase quatro décadas no Brasil, valoriza a eleição e lembra o direito a voto que os imigrantes têm no país natal – o Brasil é o único país da América do Sul que não reconhece aos imigrantes o direito ao voto. “Estou aqui há 40 anos e ainda não voto, enquanto no Chile com 5 anos de residência definitiva os imigrantes já podem votar. O Brasil se globaliza no mundo, mas precisa globalizar também a questão política”.
Nascido em Guiné-Bissau e morador da Vila Prudente, Orlando Gomes tem esperança que a votação de hoje seja o começo de um cenário mais positivo para os imigrantes. “Acredito que essa eleição é um primeiro passo. Tenho fé que essas eleições são um passo de desenvolvimento para nós”, afirma.
Para a empresária Fanny Chu, de Taiwan, deveriam haver mais vagas para imigrantes disponíveis nos Conselhos. “Cada colônia deveria ter seu representante. Duas vagas é muito pouco”, opina, referindo-se à região Sé – que teve o maior número de candidatos deferidos (11) e única na qual foi possível abrir mais de uma vaga em disputa.
Illes, no entanto, acredita que a forte adesão ao pleito especial deste domingo vai fortalecer as reivindicações pelo voto imigrante. “A comunidade migrante compareceu com entusiasmo, em diversas nacionalidades. E isso deve potencializar nossa luta pelo direito ao voto no campo nacional”.
Já existe no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 347, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que prevê a possibilidade de imigrantes votarem e serem votados no Brasil.
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