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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Eventos climáticos extremos e migrações por questões ambientais: um alerta que não pode ser ignorado

Estamos vivendo uma emergência climática que atinge o mundo inteiro, gerando diversos impactos e consequências, entre eles, a mobilidade humana

Por Zenaida Lauda-Rodriguez e Maria Luísa Sader Teixeira
Do ProMigra

Nas últimas semanas foi possível notar em vários canais de comunicação o aumento de desastres ambientais, muitos destes vinculados a um aumento de temperatura, provocada pela emissão de gases de efeito estufa e resultante da exacerbada exploração industrial de recursos. O notável crescimento nos números de desastres e eventos extremos que estamos presenciando tem feito com que milhares de pessoas no mundo se desloquem de suas casas, forçada ou “voluntariamente”, para procurarem lugares mais seguros que permitam sua subsistência.

Desde as dezenas de mortes na China, causadas pelas “chuvas torrenciais que autoridades meteorológicas do país dizem ser as mais fortes em mil anos”, e que obrigaram a mais de 395 mil pessoas abandonar suas casas, até as quebras de recorde de temperaturas máximas no Canadá, fazendo com que o ecossistema local fosse drasticamente afetado, esse problema também afeta terras latino-americanas. O aumento de temperatura da superfície terrestre, derretimento das geleiras andinas, mudança nos padrões de precipitação e o aumento no número e intensidade de eventos climáticos extremos, têm sido sinais das mudanças climáticas que se apresentam de forma cada vez mais frequente na região. Essas variações são os primeiros indícios do que pode estar por vir nas próximas décadas. Os incêndios na Amazônia e no Pantanal, além da temperatura recorde de 18,3°C registrada recentemente na Antártida alertam para um aumento da temperatura média da América do Sul, que pode chegar a quatro graus até o fim do século, caso as emissões de gases de efeito estufa continuem no mesmo ritmo.

O cenário brasileiro: aumento de temperatura e crise hídrica

No contexto brasileiro, além dos incêndios, o desmatamento também constitui um problema que agrava a situação do aumento de temperatura. Muitas vezes ligado à expansão do agronegócio, o desmatamento contribui para o aquecimento global, impactando diretamente os ciclos da água (com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar e menos chuvas). Isto gera consequências que impactam setores estratégicos como a energia, cujos impactos estão sendo sentidos com o aumento das tarifas de eletricidade, e a produção agrícola tanto de grande escala, como o agronegócio, quanto de pequena escala, como a agricultura familiar e de subsistência. Isto tem afetado não apenas as populações vulneráveis da região amazônica, que tem a maior concentração de população originária, muitas delas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e insegurança alimentar, mas também famílias e comunidades dependentes da agricultura de outras regiões do Brasil.

Em uma recente publicação do El País, Gil Alessi refere que estamos vivendo a pior seca dos últimos 91 anos no Sudeste e Centro-Oeste do país, e isso traz inúmeras perdas econômicas e de infraestrutura. Entretanto, este fenômeno atinge mais fortemente diversas famílias que se encontram vivendo nas regiões mais afetadas. “Aos poucos a agricultura familiar vai sumindo e vão ficando apenas os grandes produtores”, afirma resignado Claudinei Ferreari, 53, presidente da Cooperativa de Agricultura Familiar de Fernandópolis. A reportagem narra o drama que estas famílias vêm enfrentando com a seca e visibiliza, em algumas falas, uma situação cada vez mais recorrente diante do cenário climático: a migração ambiental.  “A nossa geração, de 40 a 60 anos, vai ficar na roça, porque é o que sabemos fazer. Mas os jovens não vão querer essa vida difícil não”. Esse seria o caso de Davi, de doze anos, filho de um dos entrevistados, que ajuda no plantio do mamão, e que diante do cenário de crise acrescenta: “Quero ser biólogo. Não vejo futuro na agricultura não”.

A migração vinculada a fatores ambientais e as mudanças climáticas

Não é a primeira vez que se chama a atenção para este tema. Estamos vivendo uma emergência climática que atinge o mundo inteiro, gerando diversos impactos e consequências, entre eles, a mobilidade humana. Esta mobilidade pode derivar tanto de desastres vinculados a fatores geofísicos (como terremoto e tsunamis), ou a fatores climáticos (como deslizamentos, furacões, etc). Ainda vinculado às mudanças climáticas, a mobilidade também pode derivar de eventos menos súbitos como os denominados “eventos de início lento”, entre os que destacam a desertificação, a degradação do solo, o aumento do nível do mar, entre outros.

Apesar da sua importância, esta temática ainda é escassamente debatida. Entre os diversos fatores que contribuem para isso, podemos mencionar dois muito relevantes: a falta de uma terminologia e reconhecimento formal e a ausência de dados confiáveis e desagregados. 

A falta de uma nomenclatura apropriada e oficial para se referir às pessoas que migram por fatores vinculados a questões ambientais resulta em uma dificuldade de reconhecimento e visibilidade destas pessoas, que reflete na falta de normas internacionais que contemplem mecanismos de proteção para elas. Isto gera situações que violam seus direitos, mantendo-as muitas vezes em situação de desamparo. No mesmo sentido, esta falta de visibilidade limita e dificulta a busca por soluções jurídicas que possam proteger esses migrantes ambientais. Nesse sentido, as questões climáticas podem violar diretamente os direitos humanos, pois afetam diretamente o direito à vida, à saúde, à habitação, à alimentação e água, entre outros. Direitos estes consagrados no plano internacional e seus diversos instrumentos de proteção.

Já em relação aos dados, uma das consequências da falta de reconhecimento formal é a ausência de instrumentos que permitam a coleta e levantamento de dados precisos e desagregados sobre a quantidade de pessoas que se deslocam por motivos vinculados a eventos ou fatores ambientais, tanto os de início súbito como os de início lento ou gradativo. Assim, existe um enorme obstáculo na questão dos dados que, para além do reconhecimento de uma terminologia, se reflete diretamente em um desafio operacional, institucional e conceitual, pois para um possível monitoramento dessas pessoas será necessária uma classificação que consiga abranger as diferentes formas de mobilidade que derivam destes eventos, e que contemple as diversas fragilidades e questões de classe, gênero, raça, etc., das pessoas ou grupos impactados.

Visibilizar para proteger

Com a ausência de normas globais e vinculantes específicas sobre a proteção jurídica desses migrantes, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), na teoria, confere proteção às pessoas que migram por causas ambientais; porém de uma forma genérica, sem nenhuma menção ou mecanismo específico de proteção. Outro instrumento jurídico internacional como o do Direito Internacional dos Refugiados (DIR) tampouco contempla os desastres ou quaisquer causas ambientais, como fator que configurem a aplicação do instituto do refúgio. 

Apesar destes vácuos normativos, é importante reconhecer que a discussão sobre o tema e os possíveis mecanismos de enfrentamento vêm sendo discutidos gradativamente em alguns fóruns regionais sobre migração. Por meio de instrumentos não vinculantes, que reconhecem a vinculação entre a ocorrência de desastres e intensificação dos impactos das mudanças climáticas e o aumento de processos de mobilidade humana forçada, a temática vem sendo abordada desde a perspectiva do Direito Internacional Humanitário (DIH), em nome da solidariedade internacional, para prestar assistência às vítimas, sobretudo em contexto de desastres. Nesse sentido, a Conferência Sul-americana de Migração (CSM) integrou o tema na agenda regional desde 2010 (X Conferência) até 2018 (XVIII Conferência), na qual foram aprovadas as “Diretrizes Regionais de Proteção e Assistência a Pessoas Deslocadas nas Fronteiras e migrantes em países afetados por desastres de origem natural”. Este documento apresenta diretrizes para garantir que as respostas frente ao deslocamento entre fronteiras em contexto de desastres sejam mais eficazes e consistentes com as regulamentações nacionais.

Entretanto, e para além de medidas emergenciais, é desejável que haja a adoção de medidas preventivas dirigidas tanto à expansão de instrumentos legais que lidem com a temática e viabilizem a proteção das pessoas em situação de deslocamento ou em risco deste, quanto à adoção de políticas públicas para o planejamento de respostas, sobretudo frente aos denominados eventos de início lento. Na tentativa de contribuir a estes objetivos, o Observatório Latino-americano de Mobilidade Humana, Mudança Climática e Desastres (MOVE-LAM), uma iniciativa inovadora desenvolvida em cooperação entre a Universidade para a Paz (UPAZ) e a Rede Sul Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA), publicou o Primeiro Informe: “Visibilizar para Proteger: Un abordaje de datos e información sobre movilidad humana en el contexto de desastres y cambio climático en Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, Guatemala y México (Visibilizar para Proteger: Uma abordagem de dados e informações sobre mobilidade humana em contexto de desastres e mudança climática no Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala e México). Este trabalho apresenta um primeiro esforço produzido por e para a região latino-americana, com o objetivo de verificar a disponibilidade de dados e a informação relacionada com o deslocamento humano no contexto de desastres e mudança climática. Esse esforço coletivo contou com importantes contribuições de pesquisadores especialistas de diferentes países que, a partir de suas realidades e experiências no tema, abordaram a situação de cada um dos países que compõem este estudo.

Esforços regionais como este são de extrema importância, sobretudo considerando que a problemática das migrações ambientais ainda é pouco visibilizada. Ainda, devido à sua complexidade, as respostas a um futuro cenário de aumento de fluxos migratórios por fatores ambientais exigirão esforços e ações, desde diferentes frentes e escalas de ação, que envolvam não apenas a agenda migratória, mas também a agenda climática, de redução de risco de desastres, e sobretudo dos Direitos Humanos, a fim de garantir a proteção e respeito à dignidade das pessoas que já são afetadas por estes fenômenos. 

Sobre as autoras

Zenaida Lauda-Rodriguez é Membro-coordenador do GT Acadêmico do ProMigra e membro da Resama; Maria Luísa Sader Teixeira, membra do GT Acadêmico do ProMigra.


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