O Brasil apresentou aumento significativo tanto nas deportações quanto na aceitação e indeferimento de pedidos de refúgio ao longo de 2020. Os dados são do governo federal e foram divulgados no domingo (21) pela GloboNews.
No ano passado, segundo a Polícia Federal, o Brasil deportou 2.901 pessoas, um aumento de 5.708% na comparação com 2019, quando apenas 36 foram barradas. Esse dado é creditado pela entidade às dezenas de portarias editadas durante todo o ano de 2020 que restringiam a entrada de pessoas de outros países no Brasil em razão da pandemia de Covid-19, especialmente por via terrestre.
Ao mesmo tempo, de acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil aprovou 26.810 pedidos de refúgio em 2020, sendo que 95% deles foram de venezuelanos (25.735, no total). Desde meados de 2019 o país passou a reconhecer a Venezuela como local de “grave e generalizada violação de direitos humanos”, o que permite um trâmite mais célere das solicitações de cidadãos do país vizinho à luz da lei brasileira de refúgio.
Por outro lado, 41.135 solicitações de refúgio foram negadas pelo Brasil, um aumento de 244% na comparação com os 11.964 pedidos indeferidos em 2019. De acordo com o Ministério da Justiça, um dos motivos é a desistência de alguns refugiados de permanecer no país, o que acarretaria no indeferimento.
O governo brasileiro vem implementando medidas para reduzir o número de solicitações de refúgio pendentes. Até o final do ano passado, havia mais de 150 mil delas em análise. Entre janeiro e dezembro do mesmo ano, apenas 67.411 foram verificadas.
Portarias discriminatórias
No contexto da pandemia, desde março de 2020 o governo brasileiro tem editado portarias que restringem o acesso de pessoas de outros países ao território brasileiro.
Essa medidas, no entanto, são alvo de objeções da sociedade civil e até da Justiça, por serem consideradas discriminatórias — especialmente em relação aos venezuelanos e por não permitir exceções a pessoas em situação de vulnerabilidade.
A crítica se intensifica pelo fato de haver, desde agosto passado, uma flexibilidade para entradas de pessoas de outros países no Brasil por via aérea, sob o pretexto de incentivar o turismo.
Um parecer técnico do Cepedisa (Centro de Pesquisas De Direito Sanitário) da Universidade de São Paulo, encaminhado ao governo federal em dezembro passado, endossa tais queixas. Ele aponta que as portarias são injustificáveis e não possuem base científica, além de seletivamente discriminatórias.
“Famílias que consigam chegar ao Brasil pelas fronteiras terrestres, deixando para trás guerras e conflitos, não podem solicitar refúgio e são deportadas, enquanto turistas com poder aquisitivo que viajem de avião estão autorizados a entrar”, afirma Camila Asano, diretora de programas da Conectas. “A seletividade discriminatória tem marcado as decisões do governo para reabertura das fronteiras”, complementa.
Essa caráter seletivo também é observado por Patrícia Nabuco Martuscelli, doutora em Ciência Política pela USP e especialista em questões de migração e refúgio.
“Há um uso das medidas sanitárias de controle da Covid-19 com a finalidade de restrição migratória e negação do direito a solicitar refúgio. Isso viola a Convenção de Genebra de 1951 e o Protocolo de 1967, dos quais o Brasil faz parte, a própria lei 9.474 [que regula a questão do refúgio no país], a Lei de Migração e a Constituição Federal, numa interpretação mais ampla”.
Processo de refúgio mais célere?
Apesar do aumento das solicitações de refúgio aceitas pelo Brasil, Martuscelli pondera que isso se deve basicamente às aprovações em bloco de pedidos de venezuelanos, que hoje são a maior população refugiada no Brasil. Ou seja, não necessariamente mostra que o processo de avaliação de refúgio ficou mais célere.
“Esse reconhecimento prima face não é muito claro e tais números não revelam necessariamente que nosso processo de avaliação está mais célere ou garante a proteção aos solicitantes. Ele acompanha o aumento nas solicitações. Temos acompanhado também a negação em prima face pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados, responsável por avaliar os pedisos de refúgio feito no Brasil), sem que refugiados tenham acesso à entrevista de elegibilidade”.
A pesquisadora se refere à notícia publicada no último dia 8 de fevereiro pela coluna da jornalista Mônica Bergamo no jornal Folha de S. Paulo. Ela relata que 16 instituições da sociedade civil enviaram uma carta ao Conare contra a negação de 17 solicitações sem que os requerentes tivessem passado pela etapa de entrevista.
Apesar do procedimento simplificado quanto aos venezuelanos, há relatos de solicitações de refúgio que levam até cinco anos junto ao Conare para serem concluídos. Esse foi o tempo que um cidadão congolês levou para receber a negativa de um pedido de refugio no Brasil, neste mês de fevereiro.
O motivo, de acordo com apuração do MigraMundo, foi que a Polícia Federal disse não se justificar a argumentação do solicitante de que ele era alvo de perseguição política no país de origem. O solicitante de refúgio já entrou com recurso contra a decisão.
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