Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)
O ato em apoio ao refugiado Mohamed Ali no Rio de Janeiro ganhou repercussão nacional. Milhares de pessoas compartilharam e se solidarizaram com sua história nas redes sociais ou foram até o pequeno carrinho onde vende suas esfihas no Rio de Janeiro – até uma vaquinha online está em curso para ajudá-lo a ter seu próprio foodtruck.
Reações humanas nobres e solidárias como a que Mohamed recebeu são como brisas de ar fresco em um ambiente cada vez mais abafado por intolerância e indiferença em relação ao outro, seja ele migrante, refugiado ou qualquer outra minoria social. Provavelmente está aí pelo menos um dos motivos pelos quais o ato em apoio ao refugiado tenha tomado a repercussão que tomou: foi a exceção à “regra”.
Regra essa que dias antes causou o ato de xenofobia contra Mohamed, que atinge diretamente pessoas em todo o mundo que cometem a “ousadia” de viver em um país diferente do qual nasceu e onde são vistas como potenciais invasores e usurpadores de direitos sociais e políticos – e que nem sempre ganham o mundo do Facebook ou são registradas por telefones celulares.
Regra essa que ajudou a motivar os atos xenofóbicos e racistas ocorridos em São Paulo contra os migrantes e a Lei de Migração pouco antes de sua sanção. Regra que está bem alinhada com o contexto internacional, no qual o discurso xenofóbico, racista e segregacionista ganha espaço sem cerimônia, fazendo a humanidade retroceder décadas no tempo e no espaço – o caso de Charlottesville (EUA) é só mais um triste (e assustador) exemplo.
Se a brisa de ar fresco representada pelo ato em solidariedade a Mohamed no Rio faz tão bem, por que a sociedade insiste em manter fechadas as portas e janelas de suas consciências e não deixa o ar circular por completo? Seria uma solidariedade seletiva por conta da repercussão que o caso ganhou no Brasil? Seria só para parecer “cool” por um dia?
Por que não transformar atos de solidariedade em regra? Regra essa que, aliás, deve ser aplicada no cotidiano – na fila do supermercado, no transporte público, no ambiente de trabalho, no jogo de futebol, dentro de casa – e não apenas quando a ofensa contra um ser humano viraliza nas redes sociais.
Talvez eu esteja me fazendo perguntas demais, é verdade. Mas os questionamentos estão bem diante do nariz de cada um, embora a maioria prefira ignorar e manter sua vida cotidiana como se nada tivesse acontecido. E quanto mais ignoradas são essas questões, mais abafado fica o cômodo da sua consciência.
Que atos de solidariedade como o que beneficiaram Mohamed ajudem a abrir portas e janelas da consciência de outras pessoas sobre o que acontece no mundo e deixem de se tornar excepcionais. Que ser “humano” se torne a regra, e não a exceção.
Para começar, que Mohamed e outros migrantes e refugiados no mundo possam reconstruir suas vidas em paz. E que num futuro próximo (mesmo sendo utópico desejar isso hoje), que migrar se torne um direito, e não um ato para salvar a própria vida.