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domingo, dezembro 22, 2024

Recusa italiana a barco com migrantes gera crise e troca de farpas na Europa

Ao fechar os portos a navio humanitário com 629 migrantes africanos, Itália reclama da política migratória europeia e entra em crise com Paris

Por Victória Brotto
Em Estrasburgo (França)
Atualizado às 09h48 em 18/06/18

Um barco superlotado com mais de 600 africanos fugindo de guerras elevou a tensão entre as nações europeias nesta semana e abriu uma crise diplomática entre Paris e Roma. Isso porque o novo ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, de extrema direita, elevou o tom contra a Europa ao recusar receber o barco humanitário.

“A Itália não vai virar um campo de refugiados enquanto Malta não se mexe, a França descansa e o resto da Europa não quer nem saber”, afirmou Matteo em sua conta no Facebook no domingo, horas após dar ordens para fechar os portos ao navio Aquarius, da ONG francesa S.O.S Mediterranee.

Era sábado (09) à tarde quando a ONG encontrou uma embarcação vinda da Líbia no mar Mediterrâneo – mais exatamente há 27 milhas náuticas da ilha de Malta e há 35 do porto de Messina, na Sicília. A ONG pediu autorização para atracar em Malta, a qual foi negada. À Roma, também negada.

De acordo com as normativas internacionais das Nações Unidas para o Direito Marítimo, a embarcação é de responsabilidade do país mais próximo – ou seja, Malta.

Migrantes resgatados pelo barco Aquarius.
Crédito: Karpov/S.O.S. Mediterranee

“Mas o problema foi que o barco passou a noite de sábado para domingo em uma zona comum à Itália e à Malta”, afirmou Thibault Fleury-Graff, professor de direito público e especialista em direito internacional e migrações pela Universidade Rennes-I.

Consultada pelo jornal Le Monde durante o que a publicação chamou de “crise de nervos”, a Organização Internacional para Migrações (OIM) afirmou que os dois estados “precisavam chegar em um acordo”. “Os Estados são obrigados a cooperar para chegar a um acordo, a fim de proteger a vida desses migrantes resgatados”, afirmaria o seu porta-voz Leonard Doyle.

Horas se passaram, reuniões de urgência foram marcadas no Conselho da Europa, em Bruxelas e em Estrasburgo, mas sem nenhuma resposta concreta. “Um silêncio sepulcral e embaraçoso vinha de Bruxelas”, afirmou a publicação norte-americana ‘The New York Times.” Até que a Espanha deu sinal verde e, em discurso solene de seu ministro do interior, afirmou que “por respeitar seu engajamento internacional” o país acolheria os migrantes em Valencia.

Após a decisão espanhola, o governo francês comentou o caso, criticando a decisão italiana de fechar os portos.

O presidente Emmanuel Macron chamou de “irresponsável e cínica” a atitude da Itália. “Vindo da França, tal fala foi como um tapa na cara com luva de pelica”, afirmou o jornalista Adam Nossiter, correspondente do New York Times em Paris. Horas depois viria o contra-ataque: “Nós não aceitaremos lições de moral hipócritas”, afirmou o primeiro-ministro italiano, criticando o governo francês por acolher apenas 20% dos migrantes africanos que desembarcaram na Itália em 2017 – 120 mil no total. Na quarta-feira, Salvini afirmaria, em tom heroico, em artigo no Corriere della Sera: “Nós re-acordamos a Europa. E ironicamente, um dia nós vamos nos dar conta que fomos nós aqueles que a salvamos”.

Em resposta às críticas da Itália, nas últimas horas da noite desta quinta-feira, o Ministério dos Assuntos Estrangeiros da França anunciou em comunicado que acolherá os migrantes do navio Aquarius que “responderem aos critérios do direito de asilo”, após um exame de sua situação na Espanha. De acordo com o ministro francês Jean-Yves le Drian tal proposição foi acolhida favoravelmente pelo governo espanhol.

Crise de nervos e tapas de luva de pelica

Após o que chamou de “crise de nervos”, o jornal francês Le Monde estampou em seu editorial da última quinta-feira  (14) que “A Europa se vê obrigada a repensar sua política migratória”.

Um dos principais jornais da França atacou alvini, chamando a sua recusa em acolher de “chocante”, mas decidiu não atacar a Itália, dando-lhe crédito – e respeito – pelo “socorro e acolhimento dado aos migrantes que recebeu desde 2014. “Todo o socorro e acolhimento dado aos migrantes não pode ser de responsabilidade apenas da Itália. É bem verdade que ela, Itália, recebeu sozinha, em 2014, 600 mil requerentes de asilo, sem obter de seus colegas europeus nada mais do que palavras bonitas”, afirmou o Le Monde. “É tempo dos parceiros europeus da Itália passar das palavras para a ação e dividir o fardo migratório antes que esse ‘medir forças’ vire a norma.

A chanceler alemã, Angela Merkel afirmou na terça-feira que o “problema da imigração” deve ser resolvido a nível europeu. E foi disso que, segundo o jornal norte-americano The New York Times, a Itália estaria reclamando. “A recusa italiana quis mostrar seu grande descontentamento que vinha de longa data com o desnível europeu na questão migratória.” Na manhã à recusa italiana, o porta-voz do governo em Berlim, Steffen Seibert, afirmou em conferência à imprensa que “países sobrecarregados como a Itália não podem ser deixados sozinhos.”

O italiano Corriere della Sera chamou o caso Aquarius de “Odisseia” e enfatizou o descontentamento do povo italiano e a crescente adesão ao discurso extremista diante da crise de resposta europeia à migração, especialmente vinda da África.

Vidas em jogo

No último domingo (17), o Aquarius finalmente chegou à Espanha, atracando no porto de Valência. Além de celebrar o desembarque dos migrantes, a ONG Médicos Sem Fronteiras – que integra a equipe a bordo do Aquarius – criticou os governos europeus, que “escolheram colocar a tentativa de obter ganhos políticos acima da necessidade de salvar vidas no mar”.

Equipe do MSF no Aquarius comunica aos migrantes sobre o desembarque em Valência (Espanha).
Crédito: Lauren King/MSF

“Os governos europeus não veem o salvamento da vida de migrantes vulneráveis ​​e refugiados no mar como uma prioridade. Em vez disso, eles restringiram as fronteiras e fecharam as portas. Eles têm apoiado ativamente a guarda costeira da Líbia para devolver as pessoas resgatadas em águas internacionais para a Líbia, onde serão forçadas a suportar tratamentos desumanos e abusivos”.

Apesar das críticas às operações de salvamento, a Médicos Sem Fronteiras reafirmou que vai manter as ações no Mediterrâneo. “Valência é o fim de uma terrível provação para 630 pessoas. Agora, é preciso um sério compromisso europeu para salvar vidas e desembarcar pessoas resgatadas adequadamente. Enquanto os governos não cumprem suas responsabilidades, a equipe a bordo do Aquarius continuará a conduzir operações de busca e salvamento no Mediterrâneo Central ”.

 

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