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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Refugiados no Brasil têm escolaridade alta, mas sofrem com desemprego, aponta relatório

Pesquisa inédita do ACNUR e da CSVM traçou o perfil dos refugiados no país; empreendedorismo tem sido uma das saídas buscadas na questão laboral

Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)

Eles têm escolaridade maior do que a média brasileira, mas em geral atuam fora de suas áreas de formação e com baixa média salarial – isso quando conseguem trabalho formal.

Este foi um dos resultados obtidos a partir de uma pesquisa inédita lançada nesta quinta-feira (30) pelo ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), sobre o perfil dos refugiados residentes no Brasil. As entrevistas foram conduzidas por pesquisadores da CSVM (Cátedra Sérgio Vieira de Mello), que incentiva estudos sobre deslocamentos forçados.

Acesse aqui o resumo da pesquisa

Os pesquisadores conduziram entrevistas com 487 pessoas refugiadas reconhecidas pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados), entre junho de 2018 e fevereiro de 2019, em 14 cidades de oito Estados que concentram 94% dos refugiados que hoje residem no Brasil – São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Santa Catarina, Minas Gerais e Amazonas. São Paulo, sozinho, concentra 57,7% desse total.

A amostra é representativa do total de refugiados no Brasil. De acordo com o Conare, o país já reconheceu 10.522 pessoas nessa situação desde 1997 – quando entrou em vigor a legislação atual sobre refúgio. Destas, segundo o levantamento, 5.314 permanecem com esse status ativo.

Dos entrevistados, 71,13% são de quatro países: Síria, República Democrática do Congo, Angola e Colômbia – de acordo com o Conare, há 105 nacionalidades representadas entre os refugiados já reconhecidos pelo Brasil.

A pesquisa mostrou que os refugiados entrevistados possuem qualificação profissional acima da média da população brasileira – 34% possuem ensino superior, ante 15,7% dos brasileiros. Porém, 19,5% deles estão desempregados (a taxa no Brasil atualmente é de 12,7%). Entre os que informaram ter uma renda mensal, 79,5% têm renda inferior a R$ 3.000.

Feira dentro de shopping em São Paulo reuniu refugiados que puderam mostrar um pouco do trabalho de cada um. Crédito: Debora Rodrigues – mar.2017

“É notório a qualificação das pessoas refugiadas que vivem no Brasil, reforçando o quanto essa população chega para somar conhecimentos e capacidades que tem o potencial de tornar nossa economia mais dinâmica, diversificada e capacitada, transformando positivamente nossa sociedade”, destaca Miguel Pachioni, assessor de informação pública do ACNUR.

A revalidação de diplomas é um desses gargalos. A pesquisa encontrou apenas 14 refugiados que conseguiram revalidar seus diplomas (em todos os níveis de ensino e em formações profissionais diversas) no Brasil, contra 133 refugiados que não conseguiram.

Também contribuem para esse cenário questões como burocracia e falta de informação. Levantamento feito junto a profissionais da área de Recursos Humanos de empresas – divulgado em primeira mão pelo MigraMundo em junho de 2018 – indicou que a desinformação é um fator que dificulta a inserção de refugiados no mercado de trabalho formal.

Saída pelo empreendedorismo?

Com a dificuldade na revalidação dos conhecimentos profissionais, uma saída buscada ou cogitada pelos refugiados é o empreendedorismo. Dos entrevistados, 17,9% declararam trabalhar por conta própria e 79% manifestaram interesse em empreender.

“É notório que muitos deles tenham predisposição em empreender. Pelo conhecimento que possuem, mas também pela capacidade de adaptação, contribuem para que nossa economia se torne mais dinâmica”, aponta Pachioni.

O estudo não detalha em quais áreas os entrevistados empreendedores atuam, mas projetos com refugiados e solicitantes de refúgio em diferentes cidades dão uma pista: gastronomia, aulas de idiomas e artesanato estão entre as atividades exercidas. Neste caso, novamente a burocracia é citada como um entrave por Pachioni.

“O perfil empreendedor é notório, mas sentimos na outra ponta que há uma dificuldade em fazer com que essas pessoas refugiadas tenham acesso a microcrédito”, exemplificou Pachioni, que vê os negócios tocados pelos refugiados como potenciais geradores de empregos.

Dos entrevistados, 78,2% se queixaram justamente da falta de recursos financeiros para empreender.

Fazer parte do país

Outro destaque apontado pela pesquisa é o desejo dos refugiados em fazer parte da sociedade brasileira. Três quartos dos entrevistados disseram participar de atividades com cidadãos locais, enquanto

A pesquisa aponta ainda que 96,3% dos entrevistados desejariam obter a cidadania brasileira e 80,6% manifestaram interesse em votar. O direito a voto no Brasil é restrito a brasileiros natos e naturalizados e as possibilidades de participação política estão restritas a processos de caráter consultivo.

Imigrante vota durante eleição para os Conselhos Participativos Municipais de São Paulo, em 2014. Crédito: Fórum Social pelos Direitos Humanos dos Migrantes

“Percebe-se aqui o imenso potencial integrativo que, combinado ao desejo de participação política, indica a confiança na integração definitiva à sociedade brasileira”, aponta a pesquisa.

“Uma vez estando no Brasil e tendo acesso aos serviços públicos em geral e a garantia de seus direitos, há a clara perspectiva de que elas pretendam obter a cidadania brasileira”, complementa Pachioni, apontando a persistência das situações de conflito e de perseguições às quais os refugiados estariam expostos em seus países de origem.

“Em síntese, o Brasil, nesse momento, apresenta-se como uma opção difícil, porém definitiva para a população refugiada analisada”, conclui a pesquisa.

E os venezuelanos?

Por englobar apenas os refugiados reconhecidos pelo governo brasileiro, ficam fora da pesquisa os cerca de 96 mil solicitantes de refúgio que ainda aguardam parecer do Conare – o que deixa de fora os venezuelanos, que respondem sozinhos por 77% dos pedidos.

Em nota divulgada no último dia 21 de maio, o ACNUR apelou à comunidade internacional – Brasil incluso – que reconheça os venezuelanos como refugiados. A agência da ONU estima que cerca de 3,6 milhões de venezuelanos já deixaram o país – a projeção é que esse número chegue a 5,3 milhões até o final do ano.

Refugiados são pessoas em situação de migração internacional que deixaram seus países de origem fugindo de conflitos armados ou por perseguição e grave violação de direitos humanos devido a motivos religiosos, étnicos, políticos, de gênero, entre outros.

Barracas no abrigo Jardim Floresta, em Boa Vista, um dos locais criados para alojar os venezuelanos na cidade. Crédito: Nayra Wladimila/MigraMundo
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