Por Lara Calábria
Do Grupo Migra
Dentre os embates enfrentados pelos imigrantes e refugiados venezuelanos ao chegarem em território brasileiro, mais especificamente no Recife, a língua é um fator que perpassa diferentes contextos nesse processo. Seja no quesito social, judicial, cultural e burocrático, ela está presente. Como bem citou o professor Omana Kasongo Ngandu Petench, vindo da República Democrática do Congo em 2013 como refugiado para o Brasil, ‘’A língua é a identificação de um povo, é o que faz uma integração. Se você não conhece a língua, é muito complicado para se identificar e saber sobre os valores e cultura desse povo.’’
Sem acesso ao idioma e sem medidas para democratizar esse saber, os migrantes ficam cada vez mais marginalizados e longe de conhecer seus direitos e aproximação aos serviços públicos, fato que alimenta a noção de políticas band-aids presente no Brasil, isto é, uma série de costumes e hábitos, seja institucionalizada ou não, que afasta mais do que aproxima de um bem maior.
De acordo com o artigo 4º da Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração), os migrantes têm sim direitos no território brasileiro, como a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade. No entanto, sem o acesso à língua e, consequentemente, o aumento das dificuldades da naturalização e inserção no país, essa população passa a se distanciar de uma vivência com dignidade.
Em raros casos acontece a preocupação local com a introdução dessas populações, como é a situação da Prefeitura de São Paulo, que utiliza a Cartilha Portas Abertas, desenvolvida pela Secretaria Municipal de Educação, em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, para o ensino da língua portuguesa para os migrantes. A edição mais recente conta com dois textos do MigraMundo usados para as atividades de aprendizagem propostas no material.
Na capital pernambucana, no entanto, a realidade é diferente. A ausência desse tipo de ação impulsiona ainda mais a marginalização e exclusão dos migrantes e refugiados.
Além da burocracia
Para a doutoranda e pesquisadora de migrações e linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Camila Lucena, os agravantes vão além. ‘’No meu ponto de vista, dificulta nos momentos burocráticos, aqueles que são os óbvios que o senso comum destaca, como acesso ao trabalho, continuidade da educação, etc, mas percebo que na parte da interação na comunidade também, uma vez que a comunicação fica difícil e alguns desistem de interagir. Mas creio que não é somente a questão linguística neste aspecto, mas sim o preconceito e estereótipos que acompanham
certos grupos migrantes. Então, percebo uma “falta de paciência” com certos grupos’’, disse.
A profissional ainda destaca que não há nenhum protocolo obrigatório de institucionalizado sobre o ensino de línguas para migrantes que chegam ao Recife, e que, caso houvesse, diferentes questões burocráticas seriam resolvidas por meio da comunicação efetiva, segundo ela: ‘’Se houvesse algum programa de ensino, acredito que os migrantes conseguiram se posicionar melhor frente às dificuldades impostas na nova sociedade. Conseguiriam se comunicar melhor e isso facilitaria o dia a dia, pelo menos em parte’’.
Lucena prossegue. “Lembrando que quando falamos da língua, alguns outros fatores vêm juntos como validação dos diplomas, tradução dos documentos, etc, elementos essenciais e que de fato já seria meio caminho andado. No meu ponto de vista, o Estado deveria ter uma comissão responsável por esses elementos e junto com isso a oferta do ensino de língua’’ ressalta.
As limitações e preconceitos nem sempre aparecem de forma explícita. A falta de ensino é grave, mas o impedimento a informação de que esse ensino existe também atenua a exclusão. A migrante venezuelana Danedis Del Carmo, de 26 anos, que chegou ao Brasil em 2019 com esposo e dois filhos, afirmou que sua maior dificuldade em relação ao idioma foi quando se mudou para Recife.
‘’A gente chegou primeiro em Roraima, e lá não tivemos tantas dificuldades porque já tinha muitos venezuelanos. Eu
também fiz um curso de português básico lá. Mas os venezuelanos que chegaram com a gente e também foram para Pernambuco, sentiram mais dificuldade aqui, a maior delas para achar emprego. Eles [empregadores] acreditavam que a gente não sabia falar portugues direitinho. Eles perguntavam se a gente sabia falar mas nem olhavam para nós’’ disse.
Alternativas
Apesar da não oficialização por parte do Estado e da sua visível negligência com essa questão, algumas ONGs e iniciativas da sociedade civil tentam preencher a lacuna e criar alternativas. A ONG Aldeias Infantis, que promove aulas virtuais de língua portuguesa e cultura brasileira para crianças venezuelanas. A ideia é colocar o aprendizado do idioma como porta de entrada para a sociedade.
O YouTube também se configura como uma ferramenta gratuita e eficiente no ensino da língua portuguesa, dentro da realidade dos migrantes que possuem acesso à internet. Canais como Português com Leticia, Portugués con Philipe Brazuca, Brasileirices e Tudo Bom? Português para Estrangeiros disponibilizam o ensino do idioma falado no Brasil.
Outra medida que poderia ser implementada pelas Prefeituras é a institucionalização e uso da cartilha de ensino de português para refugiados no Brasil. Intitulada ‘’Pode entrar: Português do Brasil para refugiadas e refugiados”, a cartilha foi lançada pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e pode ser baixada gratuitamente pela internet.
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