Cada desenho é um tipo de protesto contra a guerra e contra os muros – materiais e imateriais que separam pessoas e afastam acordos de paz
Por Alethea Rodrigues
Em Bethelem/Belém (Cisjordânia)
Atualizado às 16h55 em 19.fev.2019
Ele não quer aparecer e prefere ser chamado de Cakes*, mas aceitou contar sua história de vida e dos seus mais de cem grafites estampados em um dos muros mais polêmicos do mundo. O europeu de 33 anos também prefere não revelar o país que nasceu, para evitar qualquer risco. Afinal, grafitar no muro de 750 km de extensão construído por Israel supostamente para impedir o acesso dos palestinos à cidade de Jerusalém é algo que exige cautela.
O grafiteiro esteve pela primeira vez na Palestina em 2017. “Eu ouvi falar sobre o muro e que existia a possibilidade de desenhar nele. Visitei o local, analisei o ambiente tentando entender o que realmente acontecia ali e decidi criar algo que não fosse tão bonito, mas muito significativo”, contou o artista.
Os desenhos de Cakes são fáceis de serem identificados: são na maioria das vezes pequenos, sempre crianças e na cor preta, com o intuito de representar sombras. Cada um deles simboliza um tipo de protesto contra a guerra e a construção de muros – materiais e imateriais – que separam as pessoas e deixam a paz na Palestina cada vez mais distante.
Milhares de turistas que passam pela região podem enxergar com facilidade que cada grafite representa, mas o artista explica que o significado deles vai um pouco mais além do que se vê.
Para exorcizar o passado
“Minha vida não era fácil. Encontrei na Palestina uma forma de ajudar quem precisa de paz e aprender a lidar com esse trauma. Quando você é criança e seu passado social é difícil como das que vivem em campos de refugiados palestinos, isso cria diferentes micro mundos, um mundo como era o meu, onde a violência ocorre todos os dias. Eu me sinto bem aqui”, diz Cakes, que prefere não entrar em detalhes sobre sua infância. Os desenhos ajudam a lidar com os fantasmas do passdo.
O artista fez seu primeiro trabalho de rua em 2011. Na Palestina, grafita em partes do muro na região da Cisjordânia pelo menos uma vez a cada seis meses. Apesar da construção ser vigiada e controlada por câmeras israelenses 24 horas por dia, Cakes não se intimida e afirmou que nunca foi preso ou questionado por soldados israelitas.
“Não me considero uma pessoa que esteja fazendo algo errado, por isso nem sequer cubro meu rosto enquanto grafito. Não tenho nada contra ninguém e sempre acreditei, que independente da guerra, a maioria dos palestinos e israelenses querem e precisam de paz’, explicou.
Na Europa, ele tem outra profissão, a qual preferiu não revelar, mas também vende suas obras nas redes sociais para arrecadas fundos e viajar para a Palestina. “Enquanto for bem recebido aqui continuarei trazendo novas ideias”.
A respeito dos planos para o futuro, o europeu revelou que já decidiu qual será o seu próximo destino. “Ouvi falar sobre o muro que está sendo construído pelo presidente dos Estados Unidos [barreira pretendida pelo republicano Donald Trump na fronteira com o México] e me interessei. Definitivamente quero conhecer esse lugar, inclusive já preparei o primeiro desenho que pretendo grafitar lá. Enquanto conseguir, continuarei enviando mensagens de paz através da minha arte, e se possível, em vários lugares do mundo”, concluiu.