Como as 60 propostas aprovadas pela sociedade civil a partir da segunda edição da Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), no ano passado, serão aproveitadas ou não na Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia? Essa dúvida ficou ainda mais latente a partir da publicação do decreto que enfim criou essa normativa, quase oito anos depois da Lei de Migração entrar em vigor.
Respondendo a um questionamento do MigraMundo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que as contribuições advindas da Comigrar foram usadas em parte do decreto publicado em 7 de outubro, mas terão maior espaço na elaboração do futuro Plano Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia (PlaNaMigra).
“As 60 propostas serviram de base para o capítulo II do Decreto, sobre a atuação dos Ministérios no âmbito da Política. Mas, principalmente, orientarão o I PlaNaMigra, instrumento a ser editado nos próximos meses, que conterá os objetivos, metas e estratégias para implementar, além das propostas da COMIGRAR, outras que o Governo Federal, Estados, DF, Municípios e sociedade civil entenderem importantes”, disse a pasta, em nota enviada ao MigraMundo.
Essa é a primeira vez desde a realização da Comigrar, em novembro de 2024, que o Executivo federal expressou de forma mais clara como pretende aproveitar as contribuições sintetizadas pela sociedade civil durante a conferência. Na plenária de abertura do evento, o Secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, afirmou que a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia seria divulgada até o final deste ano – o que na prática se tornou realidade, após previsões anteriores que não se cumpriram.
A criação dessa política nacional migratória era uma das principais demandas atuais da sociedade civil organizada em torno da temática. Ela ganhou força a partir do começo de 2023, com a promessa do atual governo de destravar o assunto, com a criação de grupos de trabalho envolvendo diversos atores do setor público, agências internacionais, entidades de apoio a migrantes e representantes da própria comunidade migrante. No entanto, tal expectativa se converteu em desagrado com a demora do governo federal em publicar essas diretrizes.
Ainda de acordo com a pasta, “o Executivo Federal se mobilizará internamente e com a sociedade civil e entes da Federação para formular o Plano Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia (I PlaNaMigra), conforme prevê o Decreto”.
Expectativas e preocupações
Com o decreto enfim em vigor, as manifestações a partir da sociedade civil foram imediatas. O sentimento majoritário é positivo, considerando como histórica a sua publicação e enfim regulamentando o Artigo 120 da Lei de Migração – algo que estava pendente desde que a normativa entrou em vigor, em novembro de 2017.
Outros atores ligados à temática migratória, por sua vez, reconhecem o fato como um grande avanço, mas evitam uma empolgação considerada excessiva e apontam lacunas e diretrizes consideradas problemáticas. Entre os pontos que geram preocupação estão:
- a falta de menção aos brasileiros residentes no exterior;
- como se dará a participação da sociedade civil em relação à política nacional migratória;
- a concentração de poderes dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública na condução da política migratória brasileira e o receio de uma abordagem securitária sobre o tema;
- margens excessivas no decreto para regulamentação ministerial futura, o que pode gerar dúvidas e incertezas sobre temas diversos;
- ausência de menções a temas como migração indígena, mobilidade por mudanças climáticas;
- ausência do reconhecimento do princípio de non refoulement ou compromissos contra devolução indevida e deportações coletivas.
Algumas dessas preocupações foram expressadas e detalhadas pelo defensor público federal João Chaves, também pesquisador e nome atuante na temática migratória brasileira, em artigo publicado na última semana no MigraMundo.
Com a publicação do decreto, a expectativa de parte da sociedade civil organizada em torno da temática migratória é de conseguir ter alguma incidência na elaboração desse plano nacional, inclusive como forma de tentar preencher lacunas e corrigir distorções dadas pelo texto já publicado pelo Executivo federal.
Novos colegiados
Também é aguardada a regulamentação por parte do Ministério da Justiça de dois colegiados para coordenação e articulação das ações setoriais da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia: o Comitê Executivo Federal, para coordenação e pactuação intragovernamental, e o Conselho Nacional de Migração, para controle social, articulação interfederativa, monitoramento e avaliação da execução.
Conforme nota da pasta ao MigraMundo, “a criação do Conselho Nacional de Migração (CMIG) atende à reivindicação da sociedade civil por maior participação na implementação da PNMRA. Esse órgão, de composição paritária entre Governo e sociedade civil, funcionará como instância de controle social, articulação interfederativa, monitoramento e avaliação da execução da Política”.
Ainda segundo o ministério, “as competências atuais do CNIg já foram essencialmente reorganizadas no Decreto e serão melhor detalhadas na Portaria do Ministro da Justiça e Segurança Pública que instituir o CMIG”.
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