O caso da morte do refugiado congolês Moïse Kabagambe, que completou três anos no último dia 24 de janeiro, teve um novo e importante passo com a condenação de dois dos três acusados pelo crime, na noite da última sexta-feira (14). O resultado também deixa recados à sociedade brasileira em geral, como a importância de ações de combate ao racismo e à xenofobia, bem como a necessidade de mobilização e de monitoramento para impedir que situações semelhantes a essa caiam no esquecimento.
Foi o que avaliaram pesquisadores e migrantes ouvidos pelo MigraMundo a respeito do resultado do julgamento. O caso Moïse chocou a sociedade brasileira na época e motivou protestos em todo o Brasil, além de ações pontuais que visaram tanto homenagear o congolês quanto prover algum tipo de reparação à sua família, como a criação de um quiosque e de um observatório dedicado a monitorar e prevenir a violência contra refugiados no Brasil.
Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, foi espancado até a morte, no Posto 8, da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando cobrava uma dívida trabalhista do quiosque Tropicália. Três pessoas foram presas e acusadas de homicídio triplamente qualificado – por motivo torpe, meios cruéis e sem que a vítima tenha tido oportunidade de se defender. O caso ganhou grande repercussão e milhares de pessoas protestaram em frente ao local do crime no Rio e em outras capitais do Brasil naquela semana, sob o lema “Justiça por Moïse”.
Mobilização
Ao MigraMundo, a ativista congolesa Hortense Mbuyi ressaltou que a decisão da Justiça traz algum alívio ao sofrimento dos entes de Moïse, mas que serve de alerta contra o racismo e a xenofobia presentes no cotidiano brasileiro.
“Que esta situação nos alerte para todos nós imigrantes nos protegermos da xenofobia e para os negros se defenderem das atitudes racistas. Temos um grande desafio que é o de compreender as realidades que alarmam a sociedade brasileira na qual devemos nos integrar, num Brasil onde buscamos refúgio, porque o cultural que se mistura com o nosso cotidiano”.
Para o sociólogo Alex Vargem, que pesquisa e acompanha comunidades de países africanos no Brasil, a morte de Moïse gera uma reflexão sobre outros casos no país ao longo dos últimos 15 anos, de crimes de xenofobia que resultaram em mortes no qual sequer houve uma atenção da grande mídia e cujas investigações foram arquivadas pelas autoridades.
“São necessários mecanismos de monitoramento cotidiano para a defesa dos direitos humanos que o Poder Público em processos de escuta junto à expertise da sociedade civil, precisa estabelecer para agir e evitar a exploração laboral de migrantes e os crimes de intolerância, racismo e a xenofobia, advindos de setores da sociedade brasileira contrários à presença histórica africana no país que possui a 2ª maior população negra fora do continente africano”.
A advogada e socióloga co-fundadora do Fronteiras Cruzadas (USP), Karina Quintanilha, destacou em sua tese de doutorado a mobilização ocorrida em torno do lema “Justiça por Moïse”. Segundo ela, esse fator foi fundamental para garantir que o caso não caísse no esquecimento e fosse a júri popular.
“Essa mobilização antirracista por justiça e reparação contribuiu para reunir evidências da brutalidade cometida contra o jovem trabalhador congolês que morreu em seu local de trabalho enquanto reivindicava seu pagamento e fez com que o caso não passasse despercebido na mídia. O caso alcançou repercussão inédita, semelhante aos protestos do movimento Black Lives Matters no caso de George Floyd nos Estados Unidos, e isso foi fundamental para aumentar a pressão sobre os órgãos competentes, colocando em cheque a imagem do Brasil como acolhedor de imigrantes e refugiados”.
Quintanilha ressalta, no entanto, ressalta que outros casos graves de violações a direitos humanos e crimes contra migrantes seguem ocorrendo, como o do ganense Evans Osei Wusu no Aeroporto de Guarulhos em 2024; e o do angolano João Manuel, morto em maio de 2020 e cujo responsável pelo crime foi condenado apenas quatro anos depois, em setembro de 2024.
O julgamento
A Justiça do Rio de Janeiro condenou na noite de sexta-feira (14), por homicídio triplamente qualificado, dois dos três réus pela morte de Moïse. Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca foi sentenciado 23 anos, sete meses e 10 dias, enquanto Fábio Pirineus da Silva foi condenado a 19 anos, seis meses e 20 dias. Eles já se encontravam presos desde fevereiro de 2022, pouco após o crime.
A defesa disse que vai recorrer da decisão do júri, enquanto a Promotoria vai agir em outra frente para impedir que haja meios de redução da pena imposta aos réus.
Há um terceiro réu acusado, Brendon Alexander Luz da Silva, que também está preso, mas não foi julgado nesta sessão porque recorre da sentença de pronúncia e seu nome foi desmembrado do processo originário. O pedido está em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Meu coração está tremendo, mas tremendo de feliz. Estou muito feliz com o dia de hoje, a justiça de hoje”, afirmou Lotsove Lolo Lavy Ivone, a mãe de Moïse, após a leitura da decisão, ao portal g1. Já o irmão do jovem, Maurice Mugeny, destacou que a família obteve a resposta que esperavam há três anos. “O Brasil inteiro viu o que fizeram com Moïse, mataram ele de uma forma covarde. Moïse, em nenhum momento, agrediu ninguém. Ainda tem uma pessoa para ser julgada, mas isso já mostra tudo, o que fizeram com ele, um trabalhador que saiu da África para buscar uma vida melhor no Brasil. Essas pessoas não podem viver na sociedade. Então, hoje a Justiça foi feita no Brasil”.
Além da condenação, a Defensoria Pública vai entrar com uma ação indenizatória por danos morais para a família.
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