Na França, o MigraMundo presenciou a final da Copa do Mundo e as celebrações pela vitória francesa, com uma seleção composta em sua maioria por filhos de imigrantes
Por Victória Brotto
Em Estrasburgo (França)
Um rapaz negro erguia bem alto a bandeira da França e a balançava de um lado para o outro, no meio da Avenida des Vosges, uma das principais avenidas de Estrasburgo (cidade francesa sede do Parlamento Europeu) momentos depois do país ganhar a Copa do Mundo pela segunda vez.
O rapaz sorria largo e, sem dizer uma palavra, ele parava o trânsito. Os carros, os pedestres e os ciclistas pouco se importavam: todos o sorriam de volta e gritavam “Vive la France! Vive la France!”
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O farol continuava a correr em verde, amarelo e vermelho, mas ninguém mais ligava para o farol. Era ele, o rapaz negro vestido com a camisa do seu país, pintado dos pés à cabeça de vermelho, branco e azul que regia o trânsito [e se pudesse, talvez, a cidade toda]. “Nous sommes champions, le garçon! Nous sommes champions!” [Nós somos campeões, rapaz! Nós somos campeões!], gritavam alguns homens que passavam para o rapaz, que não parava de sorrir.
“O futebol une as pessoas”, disse uma francesa que também sorria, como o rapaz dono da bandeira – e do trânsito.
Um dia antes (14/07), Estrasburgo – assim como o resto da França – comemorava a Revolução Francesa, com fogos e com hasteamento da bandeira. Comemoração de uma revolução que cortou a cabeça de uma monarquia indecentemente privilegiada em uma terra de pobres miseráveis – pobres estes que tomariam a Bastilha, prisão política dos revoltados, e que anunciariam, tempos depois, a Fraternidade, a Igualdade e a Liberdade como o lema de uma Nação.
E esta mesma Nação hoje se debate no quão profundo pode ir em seu ideal de fraternidade, se fraternidade quer dizer fechar ou não as portas para imigrantes que chegam fugindo de guerras e buscando melhores condições de vida. Se é crime ou não ajudar, desinteressadamente, imigrantes sem documentação (leia aqui o debate sobre o tema). Uma Nação que, em bloco, decidiu por aumentar o controle dos mares que tocam seu território para impedir que mais migrantes cheguem. Esta mesma nação, no entanto, viu no último domingo (15) do que é feito o seu futebol: de migrantes. E foi com eles – filhos ou netos de imigrantes – que a França ganhou pela segunda vez um dos maiores eventos esportivos do mundo: a Copa do Mundo de Futebol.
Quatorze dos 23 selecionados para formar a equipe francesa, 78.3% do time, são, por exemplo, africanos ou descendentes de africanos imigrantes: Kimpembe, Umtiti, Pogba, Mbappé, Dembelé, Tolisso, Kanté, Matuidi, Nzonzi, Mandanda, Fekir, Sidibe, Mendy e Rami. O jogador eleito revelação do Mundial, Kylian Mbappé, por exemplo, nasceu em Paris e tem mãe de origem argelina e pai camaronês. Samuel Umtiti, camaronês, e Steve Mandanda, congolês, migraram ainda crianças para a França.
A conta aumenta ainda mais se incluídos os jogadores com ascendência em outros países europeus – caso de Griezmann (com raízes na Alemanha e Portugal) e Varane (francês, mas com raízes no departamento caribenho da Martinica).
“Viva l’Afrique!”, gritava um grupo de vinte jovens estudantes todos envoltos com a bandeira francesa. Alguns riram ao ouvirem o grupo, como se fosse uma brincadeira de fim de festa, mas não era uma brincadeira. Era na verdade uma das maiores verdades que restariam depois do dia em que a França ganhou sua segunda Copa do Mundo de Futebol. A de que, em campo, vestidos com a camiseta do país que os acolheu e acolheu suas famílias, estavam rapazes vindos da África, fugidos de catástrofes – rapazes iguaizinhos àqueles que cruzam, todos os dias, o mar Mediterrâneo dentro de barcos caindo aos pedaços, rapazes como aqueles que morreram tentando cruzar o mesmo mar, fazendo de suas águas um cemitério de migrantes.
Ao cair do Sol, por volta das 22h30, o rapaz negro não estava mais diante do farol a balançar a bandeira da França, mas os gritos de vitória ainda ecoavam por toda a cidade – gritos estes ouvidos até o finalizar deste relato. Talvez a vitória não seja somente do futebol francês, mas daquilo que colocou um rapaz negro a balançar a bandeira da França no meio de uma das cidades mais europeias do mundo: um futebol de imigrantes, coroado na Copa disputada na Rússia como o melhor futebol do planeta.
Vale lembrar que quatro anos antes, quando parte dos novos campeões mundiais já defendia a seleção francesa, a Alemanha se sagrou campeã pela quarta vez (mas pela primeira vez como país unificado) com um time que já contava com presença significativa de imigrantes e descendentes diretos, tanto de outros países europeus como africanos.